Esta nom é só a história de Camilo, o último sobrevivente galego da guerrilha antifranquista. É a triste crónica dumha família inteira, homes, mulheres e crianças que deram a sua vida para combater o fascismo. Nosso é o dever de lembrar e nunca esquecer.
No encabeçado, Camilo de Dios mostrando umha foto do seu irmao Perfecto. Fonte: [3]
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Na memória popular da luita antifranquista, é habitual reivindicar José Castro Veiga como o derradeiro guerrilheiro de todo o Estado espanhol. Efetivamente, O Piloto resultou ser o último que caiu em combate, assassinado em 1965 pola Guarda Civil. Por outra parte, é certo também que ainda seguem vivos alguns dos máquis que, por diversas circunstáncias, deixaram as armas antes dos anos 60 e sobreviveram aquelas décadas escuras. Um caso conhecido é o de Francisco Martínez López, alcunhado Quico, que recentemente alcançou os 97 anos. A sua avançada idade nom impede o guerrilheiro berciano seguir levando e avivando a memória da resistência contra o fascismo. Recentemente puidemos escuitar as suas palavras numha conferência organizada pola Asociación Arco da Pomba, em Foz [1].
Mas na Galiza do século XXI começara a forjar-se outra ideia sobre este conceito: quem era o derradeiro guerrilheiro galego que ainda seguia com vida? A resposta ficou clara na década de 2010, pois só quedava o célebre limiao Camilo de Dios. Nos seus últimos anos de vida, o combatente jamais parou de reivindicar a memória da luita em numerosas entrevistas e conferências. Talvez o mais conhecido seja um documentário de 2016, produzido e gravado por quatro estudantes da Universidade da Corunha para o seu Trabalho de Fim de Grau. A obra pode visualizar-se livremente na internet e constitui umha fonte primária imprescindível para afundar na vida pessoal de Camilo e, em geral, na história da resistência antifranquista [2].
Camilo de Dios, o último guerrilheiro da Galiza. Esta é a sua história.
No ano 1933 nasceu Camilo de Dios Fernández em Sandiás, na comarca da Límia. Filho de Jesús de Dios e Carmen Fernández, tinha outros dous irmaos, Perfecto e Castor. O seu lar sempre estivo comprometido politicamente: Jesús era membro destacado do Partido Comunista de Espanha (PCE) e das Sociedades Agrárias. Carmen, ainda que procedente dumha família conservadora, também militava no mesmo partido.
Em julho de 1936 tivo lugar o falido golpe de Estado contra a República espanhola e começou a Guerra Civil. Jesús tentou participar na defesa da província de Ourense, mas toda a Galiza caiu em questom de dias e viu-se forçado a exilar-se em Portugal. Carmen, quem contava com parentes no bando sublevado, conseguiu certa proteçom para ficar no país e cuidar dos filhos, ainda que foram constantes as agressons, ameaças e insultos por parte da Falange e da Guarda Civil. De feito, o partido fascista acabaria expulsando a familía da sua casa para instalar um quartel operativo, e os nenos deveram marchar viver com os padrinhos. Castor ficaria a viver com o seu respetivo parente e nunca entrou na luita armada.
Terminado o conflito principal, a nai recuperou a vivenda e Jesús foi quem de voltar à Galiza em 1940, mas estava gravemente doente e morreu no ano 1945. Carmen ficou novamente soa e os três filhos pequenos, órfaos de pai.
Naquela década de 1940 decorreu a atividade principal da guerrilha antifranquista. Em plena Segunda Guerra Mundial, os sobreviventes do bando republicano confiavam em derrubar o regime de Franco ao mesmo tempo que os Aliados derrotavam o fascismo na Europa. Assim, o objetivo principal era desestabilizar o governo e desgastar as suas forças até que se produzisse esse colapso.
Camilo começou a trabalhar de enlace com apenas 13 anos, em 1946. Era o mesmo labor que levavam a cabo Carmen e Perfecto. Os enlaces eram civis que forneciam os combatentes de refúgio, comida, armamento ou qualquer outro recurso necessário. Segundo contava el mesmo, ninguém suspeitava deles por serem crianças tam pequenas. Chegou a disfarçar-se de seminarista para realizar transportes de armas ou repartir propaganda. Contodo, os nenos seguiam a receber constantes abusos na escola ou na igreja, levando com eles o estigma de serem filhos de rojos.
Carmen Fernández e Jesús de Dios. Fonte: [4]
Afirmava sem reservas Camilo que eles nom se botaram ao monte, foram botados forçosamente polas circunstáncias. Um dia de 1948, o jovem Camilo chegara a casa após trabalhar no campo e encontrou-na deserta. O cerco da Guardia Civil arredor dos enlaces estreitara-se e aumentara a repressom contra eles; Carmen temia pola sua vida e a dos filhos. Aquel dia, um camiom policial parara perto da vivenda e, ainda que nom andavam na sua procura, Perfecto e a nai escaparam ao monte e uniram-se aos outros combatentes.
Ainda que colaborava na guerrilha, o jovem Camilo nom estava num primeiro momento tam politizado como a nai ou o irmao velho. Para o rapaz era mais bem umha questom de humanidade, de ajudar a família e reparar as injustiças. De feito, subiu ao monte com um tio e tentou contar-lhes que nom passava nada, a Guardia Civil marchara e podiam retornar a casa. Mas Perfecto conseguiu convencê-lo do contrário: nom havia volta atrás, tarde ou cedo acabariam prendendo-os. A luita era o único caminho. O neno acabou por acreditar e passou à clandestinidade junto aos outros dous. Tinha 15 anos.
O grupo armado ao que se uniram os Dios Fernández pertencia à II Agrupaçom do Exército Guerrilheiro da Galiza (EGG), organizaçom comandada polo PCE. Esta segunda divisom cobria a parte central e ocidental da província de Ourense. A sua base encontrava-se na Edreira, um pequeno claro no coraçom da Serra de Sam Mamede. Ali viviam Samuel Maio (chefe da agrupaçom), Benigno Fraga (comissário político) e os membros mais veteranos do grupo. Na Edreira o Estado Maior da guerrilha desenhava as operaçons armadas, realizava a instruçom militar, fornecia formaçom política e resolvia outras tarefas de intendência. Também funcionava como armazém de armas e mesmo de hospital.
Em contraste, os combatentes mais jovens conformavam a chamada guerrilha de choque ou volante. Estes grupos desempenhavam as açons armadas principais e cumpriam os encargos de maior esforço físico e humano. Camilo relatava algumhas das missons mais duras, como caminhar 40 km sem descanso pola serra ou atravessar a nado um rio. Todo isto em plena noite, com temperaturas gélidas e dormindo à intempérie. Nom é estranho que os guerrilheiros alcunhassem a base da Edreira como O Balneário, pois ali tinham teito seguro, água fresca da montanha, abundante gado e outros recursos para sobreviver. Na miséria do monte, era o seu lugar de descanso.
Enquanto Carmen ficava na Edreira assumindo labores de intendência, os filhos incorporaram-se a grupos de choque. Camilo entrou num comando liderado por Juan Sorga e composto também por Manuel Nóvoa, Antonio Pérez, José María Saavedra e Manuel Rodríguez. No verao de 1948, participárom em diversas operaçons, incluído um assalto à fábrica de armas da Corunha. Naquela mesma cidade tentaram libertar os dous líderes do EGG, Antonio Seoane e José Gómez Gaioso, que se encontravam presos e condenados a morte. O resgate estava preparado para julho, mas a detençom de dous enlaces cruciais abortou permanentemente a tentativa. Apesar dos esforços, os dous combatentes seriam executados em novembro desse mesmo ano.
No resto do ano 1948 e princípios de 1949, Camilo seguiu mobilizado no seu grupo volante e alongou a sua formaçom política, recebendo o carnet de militante nas Juventudes Socialistas Unificadas (JSU). Como tiveram os outros luitadores, ganhou a pulso vários nomes de guerra, incluído Sandas e Chencho.
Em março de 1949, ante um aumento considerável da repressom contra a guerrilha, a chefatura da Edreira acordou realizar umha operaçom de grande significáncia na própria capital de Ourense. O plano consistia num ataque de castigo contra dirigentes da Guarda Civil baseados naquela cidade. O comando de Sorga trasladou-se a Ourense e conseguiu refúgio numha vivenda chamada a Casa das Mercedes, situada na praça do mesmo nome. Durante mais dumha semana, os guerrilheiros trabalhárom desde aquela casa, reunindo inteligência e preparando o operativo.
Porém, a noite do 18 de março algo falhou. Nom se sabe se alguém os delatou ou se a polícia achara o seu grupo, mas o enlace que esperavam nom chegou aquela vez. Em vez disso, a Guarda Civil cercara a casa e começara a disparar sobre ela. Neste ponto, a história torna-se algo complicada e as crónicas som contraditórias entre elas a respeito dos feitos, os mortos e o desenlace. Tentaremos relatá-la através do testemunho de Camilo, única fonte primária, e os documentos mais fiáveis daquela noite.
Naquel primeiro assalto morreu Manuel Nóvoa, Manolito, ourensano de 18 anos. No entanto, o resto do grupo contestou o ataque e conseguiu romper o cerco. No bando da Guarda Civil morreu um capitám e um soldado ficou ferido. As forças policiais decidiram entom empreender um bombardeamento desde o vizinho quartel de Sam Francisco. Todo o grupo sofreu importantes danos e três combatentes resolveram escapar da casa incendiada: Juan Sorga e Manuel Rodríguez lográrom fazê-lo, mas Antonio Pérez foi capturado.
Somente Camilo e José María resistiam na vivenda, ambos gravemente feridos e rodeados polo lume. José María preferiu morrer antes que entregar-se e tentou suicidar-se com a ajuda do seu companheiro. Camilo deu o seu amigo por morto e abandonou o edifício em chamas. Foi imediatamente arrestado e internado no cárcere da cidade.
Camilo permaneceu 57 dias na prisom de Ourense, sofrendo toda classe de torturas. Relatou que naqueles momentos só pensava na morte: sabia que ia ser executado nalgum momento, e preferia que chegasse quanto antes para nom seguir suportando aquela dor.
Contodo, finalmente foi trasladado à cadeia da Corunha, onde se reencontrou com Antonio e, com total surpresa, também com José María. Dalgum modo, o guerrilheiro ferrolano sobrevivera ao lume, o disparo autoinfligido e os morteiros da Guarda Civil. Desgraçadamente nom seria por muito tempo: o 18 de junho de 1949 foi condenado a morte. Conta Camilo que o Pepe, quem o considerava grande amigo, requereu que puidessem passar juntos as derradeiras horas e partilhar a última ceia. Deixou-lhe ademais o pouco que tinha, um relógio, como herança. José María foi finalmente executado a madrugada do 23 de julho mediante garrote vil. Camilo lembra aquela noite como a mais amarga de toda a sua vida. Guardou aquel relógio por sempre.
Camilo nos anos 5o, durante a sua estáncia no penal de El Dueso. Fonte: [5]
Num conselho de guerra em agosto de 1949, Camilo e Antonio foram igualmente sentenciados a pena capital. No entanto, as suas condenas foram comutadas por 30 anos de prisom. Nos documentos judiciais argumentou-se esta medida de graça devido à curta idade dos guerrilheiros: naquela altura Antonio tinha 21 anos e Camilo, 17. No caso de Camilo, passou por multitude centros penitenciários (Ponferrada, Palencia, Alcalá…), ainda que a maior estadia foi no cárcere de El Dueso (Cantábria). O régime nestes penais foi quase sempre inumano, em estado de isolamento e sem visitas do exterior. Acordou, porém, poder receber umha carta cada mês por parte da sua nai, sempre que nom superasse as 21 linhas de extensom.
Foi numha dessas missivas onde conheceu o triste desenlace da sua família e amigos. Pouco tempo depois do assalto em Ourense, a Guarda Civil descobrira a sua base nas montanhas e arrasara a Edreira. Carmen e Perfecto, junto com os sobreviventes do comando (Juan Sorga e Manuel Rodríguez), conseguírom fugir a Portugal. Lá tampouco estavam seguros, e em 1950 desenharam um plano para exilar-se ao Estado francês.
Os quatro lograram chegar a Madrid mas foram emboscados ao seu passo por Chaherrero (Ávila) em maio de 1950. Juan e Manuel escapárom, mas Carmen e o filho fôrom arrestados. Ante os olhos de Carmen, Perfecto foi assassinado naquela mesma vila, na beira dumha estrada, e soterrado nalgum lugar desconhecido. Carmen seria trasladada a Ourense e julgada a 30 anos de cárcere. Cabe destacar que Juan finalmente conseguiria chegar a Paris, mas Manuel foi detido definitivamente e executado em 1951.
Camilo saiu de prisom em 1959, aproveitando os indultos que se concederam trás a morte do papa Pio XII em 1958. Nos anos posteriores trabalharia do que puidesse: enquadernador, labrego ou condutor de camions. Voltou a Ourense para realizar o serviço militar obrigatório. Curtido polos anos de guerrilha e de prisom, na década de 1960 dedicou os seus esforços a reconstituir o PCE na província e organizar as Comissons Campesinhas. Na sua atividade política coincidiria outra vez com um antigo camarada, Antonio Pérez, que saíra do cárcere a finais dos 60. Voltárom sofrer a repressom e a tortura por parte do franquismo, incluída umha detençom massiva de militantes do PCE no ano 1971.
Carmen também ganhou a liberdade na década de 1960. Retornou a Sandiás e seguiu colaborando com o partido, escrevendo no seu jornal Mundo Obrero. Porém, reduziu a sua atividade política ao círculo mais íntimo e viveu praticamente no anonimato. Morreu no ano 1999.
A partir dos anos 80 e até o seu retiramento, Camilo seguiu trabalhando incansavelmente no PCE, sendo concelheiro em Sandiás e posteriormente em Ginzo. Mas ficava umha tarefa irrenunciável: encontrar o corpo do seu irmao. O processo dilatou-se durante décadas: a localizaçom do cadáver nom se conhecia e encontrou o obstáculo das autoridades políticas e eclesiásticas para pesquisar nos arquivos. Camilo contactou com diversas associaçons de memória histórica que o ajudárom no seu objetivo, mas elas mesmas sofreram de impedimento institucional e de falta de financiamento.
Finalmente, no ano 2013 os investigadores encontraram um expediente militar onde se detalhava o lugar de soterramento de Perfecto. Em julho de 2014 iniciárom-se os trabalhos de excavaçom. Camilo estivo presente quando recuperárom os ossos de Perfecto. Emocionado, Camilo contou a sua imensa emoçom naquel momento. Lembrou um irmao que queria enormemente, um rapaz inteligente, estudioso e com espírito militante. No leito de morte, Camilo prometera-lhe a Carmen que recuperaria o corpo de Perfecto, o filho que morrera no seu colo. E conseguiu-no. Após mais de 60 anos, os seus restos podiam voltar ao seu país natal e repousar eternamente.
Cumprida a promessa final, Camilo nunca deixou de reivindicar a memória histórica da guerrilha. Nas suas próprias palavras, só se arrependeu de nom ter luitado mais contra o fascismo. O 18 de dezembro de 2019, aos 86 anos de idade, Camilo de Dios finou na sua casa natal. Hoje descansa para sempre junto a sua nai e o seu irmao.
Por Jesús, Carmen, Camilo, Perfecto, Manolito, Pepe e tantos outros combatentes que nunca deixárom cair o seu fussil.
O povo nom esquece.
BIBLIOGRAFIA
[1] Xornal da Mariña (25-09-2022). Entrevista a Francisco Martínez “Quico”. Disponível online em https://xornaldamariña.gal/sociedade/97840-francisco-martinez-quico-as-mesmas-persoas-que-estaban-co-franquismo-seguen-cun-poder-moi-grande-na-sociedade/
[2] Sánchez, Alba et al. (2016) Camilo, o último guerrilleiro de Galicia. Disponível online em http://youtube.com/watch?v=XsQ11AI0aB4
[3] https://www.atlantico.net/articulo/galicia/muere-camilo-dios-ultimo-guerrillero-antifranquista-galicia/20191218155551746276.html
[4] https://memoriahistorica.org.es/perfecto-de-dios-el-guerrillero-que-sono-con-liberar-a-espana-del-fascismo/
[5] https://www.eldiario.es/galicia/muere-camilo-dios-guerrillero-gallego_1_1179781.html