Morrinha, saudade, senhardade

A morrinha faz parte do pack folclórico que reduz a galeguidade a tristura, polvo e farinha – da de snifar. Semelha que, para ser galego, há que bailar muinheiras, chorar pola terra e saber de narcotráfico. Mas a morrinha é dor e viver sem ela também é ser galego.

Imagem: “Pai e filho” da série “Emigraçom” de Manuel Ferrol (1923-2013). Pai e filho choram ao despedir a mãe que parte para a Argentina (27 de novembro de 1957)

 

Nom estamos a descobrir nada novo ao dizermos que o galego é um povo de emigrantes. Multitude de países —mormente europeus e americanos— contam entre a sua populaçom com um bom número de persoas galegas de nascimento ou descendentes de galegos. Umha realidade crua, difícil, dolorosa, que já é parte da nossa história e que deu para páginas e páginas de literatura, moitas delas fazendo referência à morrinha.

Como tamém sabemos, a emigraçom dos galegos continua a ser umha realidade nos nossos tempos ainda que certas persoas, desde o seu estrado, a intentem adornar de quando em vez utilizando eufemismos como o de «mobilidade juvenil». Eu mesmo som um exemplo dessa realidade: já sumo dez anos a residir na área de Barcelona, cidade na qual, por sinal, existe umha importante comunidade galega que deu lugar à formaçom de diversas entidades com o fim de divulgarem e promoverem a nossa cultura. A emigraçom do século XXI nom se desenvolve da mesma maneira que retratava Manuel Ferrol nas suas reconhecidas e comovedoras fotografias, mas nom por isso deixa de ser o que é: a partida de importantes quantidades de persoas, moitas delas bem formadas de um ponto de vista académico, que deixam atrás a sua vida e a sua família para procurarem um melhor futuro noutros lugares do mundo. Portanto, falarmos de morrinha, de saudade ou de senhardade continua a estar na moda. 

Talvez polas importantes ondadas de galegos e galegas a povoar outros lugares desde há décadas e mesmo séculos, a palavra morrinha acabou por ser incorporada aos dicionários de outras línguas e ao léxico habitual empregado polas suas gentes. No meu caso particular, encontro-me com a utilizaçom do termo em castelhano e em catalám. Mas para a minha surpresa, em Catalunha bastante gente fala da ideia da morrinha como um conceito genuinamente galego e nom universal. Como se nom houvesse catalans que deixárom a sua terra! Estou bem certo de que esses catalans que marchárom tamém sentírom saudade nalgum momento da sua vida.

Por que é que se fala dos galegos como os únicos morrinhentos a existir na face da terra? Será pola origem galega da palavra? Será polo êxito de Julio Iglesias quando, no seu ‘Canto a Galicia’ entoava aquilo de «tenho morrinha, / tenho saudade / porque estou longe / desses teus lares»? Ou será que por aí adiante ficárom com umha ideia errada de nós? Pode que si, pode que nom. Talvez é que nos vêem como gente feble que recorreu à emigraçom pola sua condiçom de fraqueza e que se passa o dia choromicando por estar longe da terra? Quiçá é que nalguns momentos da história foi vendido o relato de o povo galego ser submisso aos desígnios impostos por governantes de fora? Ou será que ao falar temos um acento tam musical que nos fai irresistivelmente riquinhos e simpatiquinhos?

O que detecto é que, a olhos de outros, a morrinha fai parte do pack estándar da galeguidade. A morrinha é, em definitiva, umha peça mais de todas as que configuram o folclorismo que, a partir de posicionamentos políticos centralistas e uniformizadores, foi tecido ao longo dos últimos séculos fora das nossas fronteiras e que nós acabamos por validar, umhas vezes de maneira consciente e outras, inconscientemente. A morrinha ocupa, entom, um lugar privilegiado no amplo abano que oferece o tipismo galego. Situa-se num nível top que somente podem alcançar certos elementos culturais, como a muinheira, ou gastronómicos, como o polvo à feira ou o lacom com grelos; elementos que convivem com factos que parece que estamos condenados a carregar como sambenitos. Falo, neste caso, do típico tópico de a Galiza ser um ninho de fachas, um lugar capaz de criar ditadores e governantes de pura raça direitista, obviando o facto de terem existido aqui importantes revoltas campesinhas, manifestaçons obreiras e persoeiros de tendência progressista. Outro sambenito que partilha com a morrinha a coroa da galeguidade é o da farinha —a de snifar, nom a de cozinhar—; um vergonhento tópico sobre o que por aí adiante algumha gente fai chanças festivas sem ser realmente consciente da medida em que essa farinha estragou famílias e vilas enteiras no país.

Com o pack construído desse jeito, moita gente nom galega crê conhecer os nossos elementos mais enxebres. Assim sendo, a gente que valida esse pack nom concebe que um galego nom saiba bailar umha muinheira ou que nom tenha uns mínimos conhecimentos sobre o narcotráfico. Ou mesmo que a maior parte do seu tempo, no seu dia a dia, nom sinta morrinha. Eu, particularmente, som um desses galegos. E ao longo da última década, em diferentes momentos, alvisquei a estranheza e a incredulidade na cara de algumhas persoas à hora de elas captarem umha mensagem de “erro 404” do medidor da minha morrinha. “Como é possível que este galego nom seja morrinhento? Este nom é um galego de verdade”. Mesmamente se me tem acusado de desenraizado, de desapegado da minha terra —como se o apego, por definiçom, nom fosse um amor excessivo sentido por algo ou por alguém e que acaba por se tornar em dependência e toxicidade—.

O que nom entendem estas persoas é que a morrinha, por moi cuqui que poda parecer, nom é um sentimento positivo do qual vangloriar-se. Claramente as persoas a terem essa ideia nunca se vírom na obriga de saírem da sua terra. A morrinha contém altas doses de nostalgia, de dor profunda e de tristura. Seria por acaso saudável, para um mesmo, estar sentindo tristura a diário? Todos os emigrados acabaríamos em estado depressivo! Nom negarei que quando marchei a Barcelona houvo em mim momentos de tristura por ter que deixar a minha terra. Mas aginha comecei a me sentir contente e ilusionado por todas as oportunidades que um lugar como Barcelona me estava a oferecer, por toda a gente que estava a conhecer polo caminho, por todas as vivências que estava disposto a adquirir de bom grau… Comparo-me de cote com aqueles emigrantes de há cinqüenta anos e penso no privilegiado que eu som por viver a minha emigraçom na era dos voos de baixo custo, do correio eletrónico, das redes sociais, do Whatsapp…; de toda a tecnologia instantánea que nos mantém conectados 24/7.

Com o tempo, adaptei-me ao lugar em que vivo, construim a minha rotina vendo o lado positivo da minha vida fora da Galiza. E isso quer dizer que nom voltarei? Por suposto que nom. Na minha mente está retornar. E bem sei que o regresso se dará antes ou despois. Entretanto, mantenho o meu nexo de uniom com o país através destas linhas, através dos livros que publiquei sobre a geografia galega, através das conversas virtuais com a família e as amizades… Ao meu pesar, na minha coiraça de sentimentos, terei que permitir a visita esporádica dessa conhecida a quem chamamos de morrinha, saudade e senhardade. Mas isso nom me vai impedir de viver o meu presente da melhor maneira possível.

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