Estórias de ruas (III): pola recuperaçom ambiental e cultural das ilhas Sies

Nesta terceira entrega, inauguramos umha pequena série de artigos sobre um dos espaços naturais mais importantes do nosso país: as ilhas Sies. Começamos repasando o seu status atual como candidatura para Património Mundial da UNESCO e introduzimos um estudo detalhado sobre a sua toponímia, um tema pouco comentado no relativo à enorme riqueza cultural e lingüística do arquipélago. Defendemos as formas Sies e Sias como nomes legítimos e ainda vivos entre a povoaçom local das Rias Baixas.

No encabeçado, o barco «Illas Sicas» que cobria o trajeto Vigo-Sies no período 1968-2008. Fonte: [11].

Esta terceira entrega está dedicada ao Prof. Higino Martins Esteves (1940-2021), cujos estudos inspiraram esta e outras estórias sobre toponímia.

Começo esta nova entrega ligando-a, de duas formas distintas, com a anterior estória. Em primeiro lugar, lendo o estudo de Cabeza Quiles [1] sobre o topónimo Arouça descubrim que existe na Galiza o legítimo nome Arosa. Concretamente, levam-no cinco pequenas localidades: duas com artigo feminino (Caldas de Reis e Santa Comba) e três sem artigo (Boi Morto, Meis e Messia). Encontramos também O Pé de Arosa (Vale d’Ouro) e outros topónimos menores. Dado que todos se localizam em interior, Cabeza Quiles presumiu que nom havia relaçom com a costa arouçana; porém, nom concretou umha etimologia definitiva devido à ausência de documentos diacríticos.

Contodo, julgo que a incógnita foi bem resolta em 2012 por Martínez Lema [2]. O investigador encontrou numha fonte medieval a forma Heerosa, o qual identifica com a Arosa de Santa Comba. Assim, presenta-se provável o fitónimo latino *(PENNA / PĚTRA) HĚDĚRŌSA, “pedra onde abunda a hedra”. Ante a perda do núcleo nominal, resta o adjetivo que evoluiu segundo a cadeia *HĚDĚRŌSA > med. Heerosa > *Erosa > Arosa. Reparemos em que existem aldeias com formas mais conservadoras: Erosa (Godinha) e Herosa (Chantada). A planta trepadora é um motivo freqüente que deu origem a nomes mui variados na nossa toponímia; recomendo consultar [2] e [3] para ampliar mais informaçom.

A segunda ligaçom refere-se a alguns dos destinos singulares que mencionei no artigo prévio sobre turismo. A semana passada fum passear polo Parque de Castrelos e encontrei algo no que nunca reparara anteriormente. Na parede posterior do auditório, observei três sinais com umha mensagem repetida: “Illas Cíes: Obxectivo Patrimonio da Humanidade”. Som restos da intensa campanha que o Concelho de Vigo leva promovendo desde 2013 para conseguir esse reconhecimento da UNESCO. No ano 2017, a Junta da Galiza impulsou outra candidatura paralela onde inclui todos os espaços protegidos no Parque Nacional das Illas Atlánticas, isto é, engadindo Ons, Sálvora e Cortegada. Esta proposta entrou em 2018 na chamada Tentative List, umha listagem onde os Estados escolhem as candidatas para apresentar ante o comité científico da UNESCO. Nom obstante, o Concelho nom renunciou à sua proposta e ainda o alcaide Abel Caballero defendeu esta opçom nos últimos meses.

A distinçom de Património Mundial é provavelmente a mais prestigiosa que um espaço monumental pode conseguir; em teoria, pom em valor aqueles sítios cuja riqueza natural ou cultural é de interesse para o conjunto da humanidade. Legalmente, estes lugares ficam baixo a proteçom expressa da UNESCO e podem receber ajuda técnica e fundos para a sua conservaçom. Considero que o balanço deste programa é positivo, ainda que nom devemos esquecer os possíveis inconvenientes derivados do turismo. Existem exemplos de lugares que experimentárom um aumento considerável de visitantes a partir do reconhecimento da UNESCO e consequentemente sofrérom umha importante degradaçom [4].

Em todo caso, imos supor que a inscriçom nas listas do Património Mundial pode ter um efeito maiormente positivo com o devido controlo e mantimento. O nosso país conta atualmente com três conjuntos monumentais galardoados: o centro histórico de Santiago de Compostela (1985), a muralha romana de Lugo (2000) e a Torre de Hércules (2009). Ademais, a Galiza partilha com outros povos europeus mais duas entradas: diversos itinerários do Caminho de Santiago (1993, estendido em 1998 e 2015) e o tesouro intangível da arte de construçom em pedra seca (2018). A Ribeira Sacra, candidata desde 1996, recebeu um duro informe negativo no passado verao de 2021 por parte dos técnicos da UNESCO, citando graves eivas ambientais que impediam a catalogaçom (entre elas, as numerosas represas da época franquista). Existem ainda outras duas nomeaçons desde 2007 que nom costumam ser discutidas tam habitualmente: o chamado Ferrol da Ilustraçom e o espaço misto composto pola Serra dos Ancares e o Parque Natural de Somiedo.

O processo de seleçom adoita ser longo e complicado, polo que é difícil deduzir se umha ou outra proposta receberám o galardom nos vindeiros anos. Nom vou a entrar a valorar as duas opçons, mais um exemplo do jogo político Concelho-Junta (ou ainda, PSOE-PP) que se vem produzindo desde há muitos anos. Do meu ponto de vista, deveria ser impulsada umha candidatura mais ambiciosa onde se incluíssem outras ilhas que nem sequer fam parte do mencionado parque nacional. Falo por exemplo das Sisargas (Costa da Morte) ou das Estelas (ria de Vigo), com interesse especial polas suas colónias de aves. Também seria prioritária a recuperaçom integral da ilha de Tanvo (ria de Ponte Vedra) polo seu valor histórico, cultural e também natural. Neste último caso, cabe destacar que em [6] se recomenda a grafia com -v- por proceder do céltico *tanawos, “fino”.

O objetivo fundamental de qualquer candidatura deveria ser a posta em valor da riqueza imensa das nossas ilhas, tanto no plano ecológico como no cultural. Nesse sentido, quereria dedicar várias destas entregas a estudar e analisar de forma crítica alguns dos episódios históricos do arquipélago que cerra a ria de Vigo. Começarei neste mesmo artigo reivindicando a toponímia legítima Sies, nome apenas visibilizado e cuja recuperaçom julgo mui urgente. A seguir e a modo de conclusom explicarei as razons lingüísticas e históricas polas que dito topónimo semelha o mais ajeitado para ser oficializado.

Excursionistas na praia da Nossa Senhora, na ilha do Meio (Sies). Década de 1920. Fonte: [12].

Esta estória começa no século I d.C., quando se publica a História natural de Plínio o Velho [5]. No livro IV, cap. XX, o autor romano descreve o litoral de Gallaecia e menciona as insulae Siccae, literalmente “ilhas secas, desertas”. Do ponto de vista geográfico é inquestionável a sua identificaçom com as Sies: Plínio situa-as a sul dos arquipélagos de Corticata (Cortegada) e Aunios (Ons) mas antes da foz do rio Minho. Porém, surpreende a sua toponímia, sendo um espaço no que atualmente encontramos umha grande diversidade de fauna e flora. Mais ainda, temos evidência arqueológica de presença humana como mínimo desde o Paleolítico. Existem restos dum povoado permanente da Idade de Bronze (ca. 2000 a.C.) cujos habitantes aproveitavam o peixe e o marisco autóctones para a sua alimentaçom. Assim, é difícil pensar que os exploradores romanos descobriram umhas ilhas áridas.

Por estes motivos, considero muito mais verosímil a hipótese do professor Martins Esteves em [6]. A sua proposta é que o nome original do lugar foi insulae Sīcae, isto é, “ilhas com forma de sīca”. A sīca era um punhal curvo mui usado na Antiga Roma e popular para a criaçom de novas palavras. Assim, a partir da arma foi inventado o termo sīcārius com o sentido de “assassino pago”. Pola forma peculiar da espada também se formou sīcīlicus, um símbolo diacrítico curvo utilizado na língua latina. Desta forma, atendendo à curvatura que apresentam as ilhas, nom seria estranho que os marinheiros romanos considerassem esse nome ao observá-las desde os seus barcos. Plínio nunca visitou Gallaecia: provavelmente recebeu a informaçom de jeito oral e entendeu erroneamente Siccae, imaginando umhas terras desertas.

Seja como for, com a passagem do tempo a forma acusativa *Siccas ou *Sīcas evoluiria para *Sigas por sonorizaçom da oclusiva e, já na Idade Média, produziria-se a caída da consonante intervocálica para dar Sias. Finalmente, a palatalizaçom do -a- resulta na palavra moderna Sies. Tanto Sias como Sies estám amplamente documentadas nos documentos medievais e da Idade Moderna. Contodo, nos séculos XVII e XVIII a pressom do castelhano vai introduzir os topónimos anti-etimológicos *Cías e *Cíes. Como já explicara Moralejo Lasso em [7], trata-se dumha ultracorreçom que tenta fugir do sesseio do galego dessa zona. Também tenho lido, em escritos dessa etapa, formas pseudo-latinas como *Cicas ou mesmo *Cycas (!) [8].

O último documento moderno onde encontrei o topónimo etimológico foi a Real Ordem do 20 de junho de 1840 pola que se traspassa a jurisdiçom sobre as ilhas em favor da cidade de Vigo [9]. A partir da segunda metade do século XIX o uso de *Cíes começa a ser sistemático na escrita, tanto em castelhano como em galego. Com toda seguridade, Sies foi dominante no galego oral da contorna das ilhas (ria de Vigo, Morrazo…) até meados do século XX. Já nos nossos dias, a situaçom do galego nas Rias Baixas é preocupante, e especialmente dramática é a censura e desapariçom de fenómenos próprios como a gheada ou o sesseio.

Porém, nom se pode argumentar que o nome esteja completamente extinto, e com certeza pervive ainda na fala vernácula de muitos habitantes da regiom. O portal Toponimia de Galicia, com certeza o mais completo do seu tipo, regista a forma conservadora As Illas de Sías para o arquipélago. Na Ilha do Norte, encontramos o Monte Sías, cujo cume se situa a 197 metros sobre o nível do mar e é o ponto mais alto do conjunto. Existem outros microtopónimos que levam este nome e que se podem consultar no portal [10].

Na seguinte entrega destas Estórias tratarei outras múltiples denominaçons que recebérom as ilhas desde a Idade Antiga até o século XXI. Ademais do interesse histórico e lingüístico, farei especial ênfase na deconstruçom de certos mitos e lendas arredor do arquipélago. Ainda que revisarei umha grande variedade de nomes, nengum será tam antigo como o milenário Sies, que deveria ser a opçom oficial e preferente na fixaçom toponímica da Galiza.

 

REFERÊNCIAS

[1] Cabeza Quiles, F. (2008). Toponimia de Galicia, pp. 54-55. Galiza: Editorial Galaxia.
[2] Martínez Lema, P. (2012) “Toponimia, etimoloxía e fontes documentais: os exemplos de Arosa e Brens”. Madrygal (Madrid), 15: 97-105.
[3] Navaza, G. (2006) Fitotoponimia galega. Galiza: Fundación Barrié.
[4] Laignee, B. (2017) ‘Unesco-cide’: does world heritage status do cities more harm than good? The Guardian, Londres. Disponível online em https://www.theguardian.com/cities/2017/aug/30/unescocide-world-heritage-status-hurt-help-tourism.
[5] Plínio o Velho, Naturalis Historia. Ediçom de Karl F. T. Mayhoff (1906). Leipzig: Teubner. Disponível online em https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Pliny_the_Elder/home.html.
[6] Martins Esteves, H. (2008). As tribos calaicas. Proto-história da Galiza, á luz dos dados lingüísticos. Sant Cugat del Vallès, Barcelona: Edições da Galiza.
[7] Moralejo Lasso, A. (1977) Toponimia gallega y leonesa, pp. 243, 255 e 304. Santiago de Compostela: Pico Sacro.
[8] Murillo Velarde, P. (1752) Geographia historica, donde se describen los reynos, provincias, ciudades, fortalezas, mares, montes, ensenadas, cabos, rios, y puertos, con la mayor individualidad, y exactitud, etc., vol. 2., p. 149.
[9] Lamas, J. (2018) Historias de Vigo. Galiza: Edicións Xerais.
[10] Xunta de Galicia. Toponimia de Galicia. Disponível online em https://toponimia.xunta.gal/gl
[11] Arquivo da Autoridade Portuária de Vigo.
[12] Arquivo da Agrupación Cultural Nós (Moanha).

 

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