Estórias de ruas (I): pequeno itinerário urbano polo centro de Compostela

Inauguramos as Estórias de ruas como um espaço onde as ruas e os monumentos públicos serám o pretexto para diversas reflexons sobre cultura, história e política. Nesta primeira entrega, realizaremos um pequeno recorrido pola zona velha de Santiago de Compostela e falaremos sobre a recuperaçom toponímica dumha praça singular.

No encabeçado, gravado do s. XIX dum forno de pam na Galiza. Fonte: [1].

Este ano estou vivendo na Rua Nova de Abaixo, no bairro compostelano do Ensanche. Chama-se deste jeito para distingui-la da Rua Nova (de Arriba), umha das vias mais conhecidas da cidades e também das mais antigas, tendo a sua origem no século XII. Se saio da minha casa e viro à direita, encontro a histórica livraria e editorial Follas Novas, em funcionamento desde 1971. Agora, tomo o caminho esquerdo, subo pola Rapa da Folha e chego à Carreira do Conde. Num dos seus edifícios encontra-se um sinal do ano 1991 que lembra a residência de Ricardo Carvalho Calero entre as suas paredes. Um pouco mais adiante, um busto do escritor ferrolano olha perpetuamente para o Parque da Alameda. A estátua foi construída em 2010, vinte anos trás o falecimento do professor, e na sua base podo ler as seguintes palavras gravadas na pedra:

“A fala da Galiza, o português de Portugal, o português do Brasil e os português dos distintos territórios lusófonos formam um único diassistema linguístico, conhecido entre nós popularmente como galego e internacionalmente como português” R.C.C.

Nalgumha destas caminhadas tomei a ideia de reflexionar sobre a importância dos monumentos e da toponímia urbana, nom só polo seu simbolismo senom também polo seu valor reivindicativo. Neste sentido, quereria inaugurar esta série de pequenos relatos sobre nomes de ruas, obras comemorativas e, em geral, figuras do espaço público que sejam relevantes na memória histórica e coletiva. Sirva também como reivindicaçom o próprio título desta coleçom, as estórias. Este termo designa um conto ou narraçom breve, em oposiçom à história como disciplina académica ou como crônica de maior longitude. A voz está bem recolhida na maioria de dicionários galegos históricos e contemporâneos, mas atualmente nom é assim no vocabulário da RAG. Penso que é importante recuperar esta palavra, seja qual for a nossa visom sobre a língua.

Para apresentar a minha primeira reflexom sobre estes assuntos, voltemos à Alameda de Compostela. Chegamos à Porta Fageira, atravessamos o Cantom do Toural e viramos à esquerda para remontar a Rua das Orfas. Esta via converte-se na Caldeiraria e posteriormente no Preguntoiro até finalmente desembocar numha emblemática praça, com a Igreja de Sam Bieito do Campo a mao direita. E bem, como é que se chama este lugar? Chega com olhar para a fonte central e contemplar o rosto na cima dela para adivinhar onde estamos: a Praça de Cervantes.

Detalhe dum tímpano no interior da igreja de Sam Bieito do Campo. Fonte: [2].

Porém, se reparamos em que a morte do escritor complutense sucedeu em 1616, é evidente que este nom pode ser o nome original dum espaço medieval. Com efeito, a praça chegou a receber três nomes distintos que refletiam o seu uso no passado. Por volta do século XII começou a chamar-se o Foro, por ser ponto sinalado de reuniom e de leitura de anúncios e pregons. Tempo depois, foi constituído um importante mercado que provocou a mudança do nome, Praça do Campo e, mais tarde, do Pam. Com a decadência dos seus comércios e a apertura do Mercado de Abastos em 1873, as autoridades construírom o monumento a Miguel de Cervantes e o espaço perdeu a sua toponímia tradicional, umha decisom que chega até os nossos dias.

Do meu ponto de vista, nom se trata simplesmente de recuperar a sua designaçom legítima, senom também de harmonizar a toponímia do roteiro medieval de Compostela. A maior parte das ruas históricas conservam o seu título original. No caso que nos ocupa, muitas ruas arredor desta praça ainda guardam o nome das atividades comerciais que se desenvolviam no antigo mercado: Pescadaria Velha, Azivecharia, Caldeiraria e, um pouco mais longe, o Campo do Forno e o Matadoiro. A estas alturas, seria redundante explicar a etimologia da Igreja de Sam Bieito do Campo. Por suposto, o Preguntoiro relaciona-se com o uso da praça como foro e lugar de encontro para atender às últimas notícias e ordenanças do arcebispo ou das autoridades municipais.

Neste sentido, penso que seria importante restaurar algum dos nomes originais da praça, seja do Foro, do Campo ou do Pam. Diversas associaçons populares e coletivos sociais da cidade tenhem utilizado consistentemente esses nomes para a convocatória de eventos culturais, concertos ou manifestaçons. Sobre este tipo de mudanças, as autoridades locais restaurárom as nominaçons tradicionais da Rua do Hórreo, da Senra e da Fonte de Santo António por iniciativa própria e muito antes da entrada em vigor da Lei de Memória Histórica. O Concelho de Santiago emitiu em 2016 um informe que reclamava maior igualdade de gênero na toponímia urbana. Mais recentemente, em 2020 foi discutida no pleno municipal umha possível mudança da Avenida de Joám Carlos I. A estes debates necessários eu incorporaria umha meditaçom sobre dita praça e, sem prejuízo da fonte de Cervantes, a recuperaçom dalgum dos legítimos nomes que lhe correspondem.

 

REFERÊNCIAS

[1] Galicia, Tipos y Costumbres: un horno de pan (s. XIX). Madrid: La Ilustración Española y Americana (1869-1921).

[2] https://www.turismo.gal/recurso/-/detalle/3559/igrexa-de-san-bieito-do-campo

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