Espaços de memória

A greve de mulheres de 1857 constitui um dos episódios mais importantes da história sindical da Galiza e, contodo, segue a ser pouco conhecida no nosso país. Recentemente o dramaturgo Cándido Pazó decidiu ensaiar o seu resgate com Cigarreiras, umha adaptaçom teatral do romance La Tribuna (1882) de Emilia Pardo Bazán. Neste artigo repasamos as chaves do espetáculo e valoramos o seu grande impacto na crítica e no público.

No encabeçado: The Leader of the Luddites (1812). Imagem do domínio público.

O 10 de dezembro de 1857, quinta-feira, a Galiza amanhecia com umha notícia singular: segundo informava El País, o passado dia 7 produzira-se um «pronunciamiento de mugeres» na Fábrica de Tabacos da Corunha. Conhecida popularmente como a Palhoça, constituía um dos maiores focos industriais da Galiza do século XIX e empregava principalmente mulheres para os lavores da produçom de tabaco. Nessa mesma correspondência, o jornal ponte-vedrês afirmava que mais de 4000 obreiras começaram a mobilizaçom arredor das 11:00, protestando contra umhas novas máquinas de picar que ameaçavam os seus salários e muitos postos de trabalho. As cigarreiras arrasárom com o tabaco, destruírom a maquinária e subírom ao telhado do edifício para resistir a chegada do exército. O capitám-general e o governador civil enviárom à Palhoça numerosas tropas de infantaria e cavalaria, que cargárom contra as cigarreiras e finalmente dissolvérom a greve sobre as 16:00. Mais de 20 manifestantes fôrom arrestadas e centos delas devérom declarar num longo e dilatado expediente.

Estas protestas ludistas nom teriam o êxito esperado e as máquinas, finalmente, seriam incorporadas ao processo industrial do tabaco. Porém, aquelas seis horas do 7 de dezembro de 1857 seriam fundamentais na nossa história sindical: a primeira greve de mulheres da Galiza e umha das mais importantes do século XIX. Após duas décadas, a história das cigarreiras fascinou a escritora Emilia Pardo Bazán, quem começou a entrevistar as trabalhadoras da Palhoça e conhecer o seu modo de vida. Em 1882 publicaria umha versom ficcionalizada daquelas mulheres em La Tribuna, considerada um dos primeiros romances sociais da literatura castelhana.

Nesta obra, Pardo Bazán traslada os eventos de 1857 aos tumultuosos meses após a revoluçom de 1869. Ademais de tratar os motivos e os feitos da greve, a autora engade peso político através da cigarreira Amparo, quem ademais é ativista pola república e polo federalismo. Desta maneira, o romance entrecruza as reivindicaçons laborais das trabalhadoras com a atualidade política espanhola de finais do século XIX, ademais da visom pessoal de Pardo Bazán sobre feminismo e a emancipaçom da mulher. Em contraste, umha parte considerável do livro está dedicada a um drama individual e muito mais convencional: a história de amor e desamor entre Amparo e um oficial do exército.

Passou mais dum século desde aqueles feitos. A Fábrica de Tabacos cerrou no ano 2002; no seu lugar, o edifício acolhe diversos departamentos judiciais. Além dum pequeno monumento frente ao complexo, apenas nada nos lembra da luita das cigarreiras. Tal e como explicou recentemente a historiadora Ana Romero Masiá, a sua história está invisibilizada, pouco conhecida pola gente da Corunha e de todo o país [1]. Ademais da perspetiva social, Romero argumenta que ainda queda muito trabalho académico que fazer, pois existem muitos interrogantes acerca das vidas dessas mulheres e os acontecimentos de 1857.

Umha imagem da representaçom da obra no Auditório Concelho de Vigo. Fonte: [2]

Afortunadamente, nom todo o mundo esquece. Cándido Pazó, um dos dramaturgos mais destacados no panorama galego, resolveu resgatar a história das trabalhadoras da Palhoça e levá-la ao teatro com um título ajeitado: Cigarreiras. A obra foi estreada em setembro de 2021 e tivo mui boa recepçom crítica e comercial: no 30º Festival Internacional de Outono de Teatro (FIOT, Carvalho) ganhou o Prémio do Público. Ademais, a peça recebeu um máximo de 8 nomeaçons para os XXVI Prémios de Teatro María Casares, incluídas as categorias principais de Melhor Espetáculo, Direçom e Adaptaçom.

A montagem, produzida por Contraproducións, está inspirada no romance de Pardo Bazán mas com suficiente independência para serem consideradas obras diferentes. O principal mérito de Pazó é a adaptaçom integral dum livro narrativo em castelhano a um espetáculo dramático em galego. Com este fim, o diretor adiciona a figura da escritora corunhesa como voz narrativa que ajuda a avançar a exposiçom da obra. Criam-se assim dous planos temporais diferentes, o passado (greve de 1857 trasladada ao ano 1869) e o presente (a autora escrevendo o romance em 1882). Aliás, este feito outorga mais profundidade à obra, engadindo reflexons pessoais, crítica e mesmo ironia arredor da figura de Pardo Bazán e a sua visom dos acontecimentos.

Outra inovaçom relevante é a relaçom de personagens. A diferença de La Tribuna, Cándido Pazó optou por um elenco exclusivamente feminino onde o protagonismo das obreiras é total. Susana Dans dá vida à autora naturalista, entanto seis atrices representam duas classes de cigarreiras: as mais veteranas (Covadonga Berdiñas, Merce Castro e Ana Santos) e as mais novas (Tamara Canosa, Isabel Naveira e Ledicia Sola). Desta maneira, todas as personagens masculinas passam a ser referenciadas oralmente polas protagonistas ou bem engenhosamente colocadas fora do cenário. Entre as cigarreiras, destaca o papel principal de Canosa, quem interpreta Amparo como ativista política e como mulher namorada e atraiçoada.

O passado 3 de junho decorreu a entrega dos Prémios María Casares no Teatro Rosalía de Castro (Corunha). Das oito nomeaçons que mencionamos previamente, Cigarreiras conseguiu três: Melhor Espetáculo, Direçom (Pazó) e Cenografia (Dani Trillo). Foi o máximo absoluto numha noite na que os principais galardons estivérom repartidos entre outras obras de muita qualidade como Terceiro acto (Centro Dramático Galego) ou A lúa vai encuberta (Incendiaria e A Quinta do Cuadrante). Confirma-se assim o lugar de destaque da singular obra no panorama teatral galego dos anos 2021 e 2022.

Como o N.E.V.E.R.M.O.R.E. de Chévere, a arte pode servir para evitar o esquecimento. A greve de 1857 ou o desastre do Prestige de 2002, o peso do tempo é igualmente implacável. Mas se ainda nom existem espaços físicos onde reivindicar esta memória, que as suas histórias sigam vivas nos teatros e no seu público, naquela pegada permanente que entra em nós e que jamais desaparece.

 

REFERÊNCIAS

[1] https://praza.gal/movementos-sociais/cando-as-cigarreiras-tinan-que-defender-o-colectivo-eran-aguerridas-e-estaban-sempre-unidas

[2] https://erreguete.gal/2021/11/14/critica-cigarreiras/

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