Movemos os marcos?

Nom se sabe exatamente quanto tempo levam com nós, mas as comarcas (e o facto comarcal) existem desde que a Galiza se constituiu como tal. É hora de darmos-lhes o papel que merecem no mapa galego.

 

É claro que as comarcas som inerentes a nós, até ao ponto de ter-lhes atribuído umha denominaçom alternativa, a de bisbarra, de cunho exclusivamente galego, nem sequer partilhado com o resto do tronco linguístico galego-português. É curioso, nom é? Algumhas dessas bisbarras constituem áreas paisagísticas reconhecíveis com características geográficas ou naturais concretas. Outras podem ser analisadas como regiões de tamanho reduzido com umha história comum. E às vezes, também como áreas socioeconómicas com um núcleo de populaçom de referência e de proximidade para a vizinhança dessas áreas.

Durante séculos, os galegos, agrupados muitos deles na sua aldeinha, contentárom-se esculpindo lindes paroquiais imemoriais. Lindes que constituíam verdadeiros universos autárquicos, fechados em si mesmos, portadores de histórias locais e de umha vida comum marcada polo trabalho no campo. Mas estes universos também se abriam para eventos pontuais, como podia ser o de ir a umha feira próxima no dia correspondente do mês, ou o de ir à festa à paróquia vizinha na jornada do seu patrom. Este abano de microssociedades espalhadas deu lugar a umha visom atomizada do território galego, com base nas freguesias, mas também a umha conceiçom comarcal do país, na qual as microssociedades interagiam.

Foi a partir da década de 1960 que os paroquianos precisárom ampliar de maneira mais recorrente e decidida os marcos geográficos (e mentais) além da sua freguesia e fortalecer o tecido comarcal. O campo ficava cativo para a abundante mao de obra presente no rural e um elevado número de efetivos humanos fôrom embora, em direçom às vilas e cidades da Galiza e, em muitos casos, ao estrangeiro, engrossando desta maneira o censo de galegos polo mundo adiante. Em contrapartida, as freguesias entrárom num período de languidez prolongado até à atualidade, num tempo em que as arraigadas microssociedades se tornárom em sociedades comarcais, que deixárom atrás os limites paroquiais milenários e mesmo as fronteiras municipais implantadas há agora douscentos anos.

Mas esta Galiza das comarcas nom é perfeita. Em primeiro lugar, os movimentos quotidianos dos paroquianos nom atendem a fronteiras administrativas, apesar de coincidirem em muitas ocasiões com elas. Assim é que há paróquias equidistantes, que podem ser inscritas na área de influência comarcal de umha vila ou de outra. E em segundo lugar, nom existe umha única conceiçom das comarcas. A recuperaçom da autonomia política galega provocou umha eclosom de propostas diversas para plasmar sobre o mapa (e daí, ao mundo real) essa rejuvenecida Galiza entendida em bisbarras. Afinal, a proposta ganhadora foi a liderada polo Gabinete de Planificaçom e Desenvolvimento Territorial, encabeçado polo professor universitário e geógrafo Andrés Precedo Ledo, sob a petiçom da Junta da Galiza de Manuel Fraga Iribarne.

No fim de conta parecia que se levaria à prática a velha reivindicaçom dos galeguistas da pré-guerra, firmes defensores da Galiza paroquial e comarcal. Durante boa parte da década de 1990, Precedo e os seus colegas realizárom diversas pesquisas até sair aprovado o mapa comarcal definitivo, no ano de 97. Mas essas comarcas nascérom eivadas. Nunca foi intençom da Junta de Fraga outorgar fôlego administrativo às bisbarras. Além disso, estas ficárom reduzidas a unidades estatísticas (disque estratégicas) para umha tentativa de desenvolvimento económico, especialmente em áreas rurais. A Junta procurou executar um pesado organograma institucional ao redor das comarcas recém paridas que, longe de as fortalecer, mingou-nas. Como se podia perseguir o desenvolvimento económico das comarcas e o seu crescimento sem lhes conceder orçamentos?

O pior inimigo das comarcas estava em Sam Caetano. Muitas conselharias, especialmente a da Fazenda, nom aceitavam de bom grado que o Gabinete de Precedo, dependente da Vice-Presidência da Junta, tivesse poder de decisom sobre o planeamento económico dos outros departamentos do governo galego. Mas havia outros inimigos nos poderes públicos: as deputações (que viam ameaçadas as suas competências e, em consequência, o seu poder no panorama político galego), os concelhos (muitos dos quais nom estavam dispostos a delegar algumhas funções nos novos órgaos comarcais)… Até os partidos da oposiçom no Parlamento, que achavam resquícios de caciquismo na maneira em que a Junta pretendia desenvolver a sua comarcalizaçom. E é que a do ano de 1997 foi a comarcalizaçom de um único partido político, que durante longo tempo pudo fazer e desfazer ao seu jeito porque contava com a maioria necessária para isso na Cámara galega.

Sem orçamentos próprios, sem um processo de integraçom dos concelhos e das províncias nas novas comarcas, sem o beneplácito de boa parte dos agentes públicos e sem a capacidade de captar a atençom dos agentes privados e de umha parte importante da sociedade. Assim nascérom as comarcas de 1997. E assim morrérom. A data de defunçom é a de 2009, ano em que fôrom suprimidas as Fundações Comarcais, os estandartes do organograma comarcal. Mas a vida dessas comarcas, como foi resumido, estivo cheia de difículdades desde o momento da sua conceiçom, por volta de 1990.

Quer dizer isso que as comarcas nom tenhem possibilidades na Galiza do presente? Em absoluto. No contexto atual, no qual os relacionamentos terrestres e digitais estám totalmente desenvolvidos, as comarcas ganhárom ainda mais sentido como futuríveis protagonistas de umha renovada planta administrativa de cunho galego. A perda de populaçom nas velhas freguesias rurais contrasta com o aumento de habitantes nos núcleos urbanos. E as cidades galegas convertêrom-se na ponta de um iceberg demográfico que conta na sua base com diversos núcleos de populaçom que o nutrem. As conhecidas como áreas metropolitanas som comarcas em si mesmas, com um caráter periurbano, com umha dinámica própria deste tipo de territórios: a de um núcleo central (composto por bárrios que assumem neste novo marco o papel sociológico tradicional das paróquias) capaz de atraer as gentes da sua redondeza.

Quando chegará o momento em que os poderes públicos enfrentem a revisom dos marcos do país? Esta revisom torna-se mais urgente à medida que os concelhos rurais se vaziam cada ano, perdendo assim a sua capacidade de atenderem os problemas da sua vizinhança. Nom seria mais proveitoso estabelecer novos concelhos-comarca, com umhas maiores possibilidades de gestom, e delegar nas freguesias umhas poucas competências de ámbito estritamente paroquial? É óbvio que se gerariam conflitos polos marcos, se calhar só a causa de uns poucos ferrados, sobretudo nas áreas susceptíveis de pertencerem a mais de umha comarca. Mas esses conflitos poderiam ser resolvidos mediante o diálogo, escuitando a voz da vizinhança destes lugares e fazendo, assim, que a Galiza das comarcas seja, no mínimo, a Galiza da ampla maioria dos galegos e galegas.

O desejo de procurarmos umha Galiza mais próspera deve ser o motor que ative um processo coletivo de análise, de correçom das comarcas de 1997 e, em definitiva, de um exercício de adaptaçom das comarcas de sempre à nossa realidade atual. O único necessário em primeira instáncia é a vontade de abrirmos os marcos, tanto os geográficos (os que componhem as linhas dos mapas) quanto os mentais (aqueles que delimitam a nossa maneira de vermos o mundo). Movemos os marcos?

Borxa Neira

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